Tio Colorau

Por Erasmo Firmino

Tio Colorau

Por Erasmo Firmino

0

385361_246148488771932_100001303491633_627351_1961020470_n

Giza acorda tão cedo, mais tão cedo, que quando ela se levanta o Sol ainda está se espreguiçando. Giza não tem irmãos, a mãe morreu de cirrose, de modo que sua única herança é o pai velho e doente de cento e setenta quilos.

Com o tempo, o aposento do velho não mais dera para cobrir sequer as despesas com medicamento, foi aí que Giza decidiu buscar outra fonte de renda. Sem vocação para babar ovo, não quis “fazer jogo” com seu voto; recusou a oferta de emprego na secretaria de cultura do município.

— Eu lá quero negócio com cultura. Sou lá mulher de disputar espaço com fresco… – disse na época. Assim que acordava Giza ia preparar a merenda e esvaziar o penico do velho, bem como amarrar parte de sua mercadoria no bagageiro da Traxx. É dela a maior banca de chá da Cobal.

As pessoas que pela primeira vez veem a jovem mulher de pele alva e corpo bem desenhado anunciando, desinibidamente, chá de tudo quando é tipo, não conseguem esconder um particular espanto. A beleza de Giza logo foi ganhando destaque. Não demorou para receber o apelido de: “A Bonitinha da Cobal”.

— E aí, será que já dá pra colher? – Perguntava sempre um descarregador de mamão de Baraúna, apontando Giza a seu colega.

— Eu comeria com casca e tudo… – Respondia esse.

— Viva a Santa Luzia!

Com seus lábios vermelho sangue, seios em forma de gota d’água e traseira de botar inveja em dançarina do Aviões do Forró, Giza parecia desconhecer seu poder de deslumbramento. Ela não se importava com as piadas, continuava seu trabalho, com bom humor até:

— Olhe o chá de Capim Santo, Ameixa, Boldo, Erva-doce! Tem pra engordar, pra emagrecer, pra ficar do mesmo jeito…

Acostumada a cuidar do pai, Giza só trava relação com velhos. Não há um em Mossoró que não seja seu cliente. É muito chá pra pouco aposento…

Aliás, quando o assunto era homem, Giza não relaxava nem com chá de Camomila. Tinha nojo até do cheiro. E olhe que pretendente não faltava. Até dono de salina fazia de conta que vinha atrás de chá, só pra olhar Giza de perto. Recebia cartas e mais cartas, contendo as mais aberrantes juras de amor:

Por você Giza:

Eu matava Lampião

Aleijava Jesuíno

E montava no cavalo do cão

Na vaquejada dos Porcino

Posso até ser pobre

Mas doido não sou não

Pois prefiro um chá de Giza

À buchada de Zé Leão

**

A prova de tal aversão pelo sexo masculino foi dada no dia que, ao guiar sua Traxx, já ao lado do Colégio Pequeno Príncipe, um guarda “azulzinho” mandou Giza parar a moto. “Azulzinho” é bicho que apita mais do que juiz caseiro…

— A senhora quase atropela um aluno! – disse a autoridade. Giza sabia que era mentira. O “azulzinho”, que era seu cliente, só queria mesmo era cabimento…

— Nem aluno aqui não tinha…

O “azulzinho”, vendo-se derrotado pelas inquestionáveis evidências, arrependeu-se de tão arrebatador impulso. Não sabendo o que fazer, tentou contornar: — Tem chá de quê? – Perguntou acabrunhado.

— Isso é lá situação de comprar chá?! No meio da rua?! – Bradou Giza, irritada.

— Tem chá pra quem tá doente de amor, Giza? – Confessou.

— A doença de amor que você diz é pau mole? Se for tem…

— Coração Giza! Coração! Eu sou louco por você Giza!

Uma multidão, formada por alunos do CPP, bêbados e açougueiros se formou para acompanhar a cena. Enciumados, nenhum homem torcia pelo “azulzinho”.

Giza ainda quis esconder, mas não deu, chorou os olhos, fazendo todo mundo crer que havia amolecido. Todavia…

— Homem pra mim só existe papai! – Exclamou.

E a multidão de machos comemorou como no Nogueirão em dia de Potiba.

**

Cá pra nós, Giza não é de ninguém, pertence a todos, um patrimônio da humanidade no país de Mossoró…

O “azulzinho” depois desse dia nunca mais foi visto. Há quem diga que tomou chá de sumiço…

**

Velhos, pinguços e repentistas do Brasil inteiro fazem verdadeira peregrinação até a barraca de chá daquela que é a virgem do povo, a mulher guerreira, a musa, Giza: “A Bonitinha da Cobal”.

{fim}

OBS. No próximo domingo traremos outro conto do mesmo autor.

*

Leiam também, do mesmo autor:

A Patricinha da Nova Betânia aqui

A Comissionada da Prefeitura aqui

A Sonsa do Santa Delmira aqui

A Empresária do Alto do Sumaré aqui

A idealista do Alto de São Manoel aqui

*

*Samuel de Oliveira Paiva nasceu em 14/12/1992, é natural de Rafael Godeiro/RN. Bacharelando em Direito pela UERN, aprovado no XV Exame da OAB. Participou da coletânea “Poesia Clandestina Vol. I (2012)”, foi selecionado em concurso de contos promovido pela Big Time Editora, além de já ter contribuído com poesias, resenhas e contos para os jornais Clandestino, Gazeta do Oeste, O Mossoroense e revista Cruviana.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *