Tio Colorau

Por Erasmo Firmino

Tio Colorau

Por Erasmo Firmino

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cabare

Sumaré fica na Zona Leste da grande – gigantesca! – Mossoró. É um bairro alternativo: ou mora lá ou na rua. Dizer onde acaba o Liberdade II e começa o Sumaré é algo tão complexo quanto precisar onde termina a vida e começa a morte. Na verdade a resolução dessa problemática se dá muito subjetivamente, se o sujeito é metido a rico e a besta, mora no Liberdade II, se é humilde, confessa que mora no Sumaré. Enfim, fica na saída para quem vai pra Natal e na entrada para quem vem do alto oeste. Como todo bairro, o Sumaré também tem seus pontos turísticos: Magno´s bar, Pitom bar, Muela´s bar etc. Sendo um bairro marginal – sem trocadilhos… -, o Sumaré passa por uma fase de grandiosíssima especulação imobiliária. De modo que a imbricação dos sumareenses com “estrangeiros” que lá compram imóveis gerará muito em breve uma miscigenação capaz de assombrar até antropólogos do quilate de Darcy Ribeiro. Esse crescimento do Sumaré se dá de forma tão acelerada que as máquinas, enquanto escrevo esse texto, já estão às portas de Upanema, o que acarretará uma conurbação chamada “Seriema”: Sumaré + Upanema.

No Sumaré ninguém anda a pé, embora ninguém também compre veículo. Lá cada um faz o seu. É moto feita com pneu de carro-de-mão, outras com motor de geladeira… Santos Dumont e os Irmãos Wright ficariam boquiabertos com a criatividade dos sumareenses. Existe, no que se refere aos ditos bairros pobres, inúmeros preconceitos. Por exemplo, a lenda de que as mulheres são oferecidas, dadas. É mentira. Eu boto minha mão no fogo – baixo… – pelas mulheres do Sumaré. Porque, caro colega, dar cabimento ao motorista de ônibus da linha única não é oferecimento, é estratégia de sobrevivência…

Outro grande preconceito é dizer que no Sumaré existem muitos ladrões. Mentira. Trata-se apenas de coletivização forçada da propriedade privada… Segundo o dicionário elaborado por Aurélio Buarque de Holanda, parente de Chico Buarque e conhecido de Bartô Galeno, Sumaré significa: Orquidácia terrestre de flores amarelas. No entanto, há outra corrente que diz que a palavra Sumaré tem origem indígena, significando: terreno acidentado com muitos esconderijos para animais procriarem longe dos predadores.

Preferimos aqui o segundo significado, por ser mais parecido com uma mentira e consentâneo com a história a ser narrada…

Foi exatamente no Sumaré que Dauzileide nasceu e se criou. Se criou não, foi criada. Porque pobre vive assim, da ajudinha de um aqui, de outro acolá… Dauzileide casou nova, como toda mocinha do Sumaré, não casou por amor, mas sim por “avexame”. Desde cedo começou a trabalhar nas casas “aguentando abuso dos outros e miado de menino novo, como diz ela. Todavia, logo depois de casar Dauzileide conseguiu um emprego de selecionadora de castanhas na USIBRAS.

Ganhava um salário mínimo por mês, acrescido de adicional por hérnia de disco. Seu ganho somado com o de Joaquim, seu marido, só dava para comer, e mal. Joaquim trabalhava avulso, ou seja, fazia de tudo um pouco.

Ocorre que, com o tempo, Joaquim passou a fazer de pouco um tudo… Se a crise financeira já era um problema grande, a gota d’água foi o dia em que Dauzileide descobriu que Joaquim era assíduo frequentador do Bilica Drink´s

Sandra Pereira da Cunha, a “Bilica”, é a única personagem mossoroense mundialmente conhecida. Aliás, arrisco-me a dizer que só não é a maior figura folclórica do mundo por causa do imbatível Zé Garcia, ele mesmo, o cigano dono da burra enfeitada.

Dauzileide, no dia em que ficou sabendo das ações de Joaquim, tratou de mandá-lo embora de casa imediatamente. Ela não era mulher de mundiça, limitou-se a despachar Joaquim com essas singelas palavras:

— Cale a boca e se suma, filho de rapariga!

E Joaquim se foi.

Dauzileide em conversa com sua mãe, que, obviamente, na época ainda era viva, já que morto não fala, a não ser com Chico Xavier, assim avaliou seu casamento:

— Tá bom né mãe, pelo menos não embuchei…

O importante mesmo foi a jura que Dauzileide fez logo que ficou sabendo da traição:

— Eu ainda vou deixar essa Bilica de tanga!

Como se ficar de tanga para Bilica fosse alguma coisa…

Movida por esse sentimento de vingança, Dauzileide largou o emprego na USIBRAS e decidiu abrir um cabaré para quebrar o monopólio de Bilica no Sumaré.

Mal sabia ela da crise e dificuldade pela qual o ramo passava. Nunca é demais lembrar as célebres palavras do magnata do meretrício de Mossoró, Orlando Cocotinha, em entrevista concedida ao “O Mossorense, anunciando a crise do sistema das casas de prazer. Cocotinha apontava que o motivo de tal declínio é a confusão:

“Porque hoje em dia ninguém sabe mais quem é puta.

Ademais, Bilica, assim como Sineide, perto da rodoviária, e Gabriel, da Nova Betânia, já estavam estabelecidos no mercado, possuíam o seu público fiel. Embora “fiel” não seja um bom termo tratando-se de cabaré…

Em suma, a missão de Dauzileide não era das mais fáceis. Inclusive uma de suas amigas lamentava:

— Você podendo ter feito jura numa coisa mais fácil, não cortar mais o cabelo, usar só vermelho… Mas a jura estava feita. E Dauzileide pôs mãos à obra.

Sua primeira atitude foi fazer um empréstimo no nome da velha mãe dela. Depois, formou a equipe. Contratou um estagiário de Direito para cuidar da parte burocrática, um administrador de empresa, um contador e oito moças de Aracati/CE.

— Se as quengas de Bilica gemem, as minhas chiam! – disse Dauzileide, emocionada. Reunida, a equipe discutia:

— A Constituição veda o monopólio! – disse o estagiário de Direito.

— Até da prostituição? – perguntou Dauzileide.

— Claro. Onde existir função social deve haver livre concorrência! – defendeu o estagiário.

— E qual é a função social da prostituição? – perguntou, intrigado, o administrador.

— Para os clientes é o lazer, para as profissionais é a alimentação etc…

— Eu acho que era bom contratar um publicitário… – disse o administrador.

— Precisa não. Quenga é que nem cocada, a gente vende no grito – disse Dauzileide, que naquela altura já estava lisa.

— E você? Tem alguma colocação a fazer? – perguntou o estagiário ao contador.

O contador, que cochilava, não respondeu.

**

A promoção de inauguração era a seguinte, só se pagava a entrada. A senha lhe possibilitava brincar em todos os brinquedos… Só que a coisa fedeu. Nenhum cliente apareceu no cabaré de Dauzileide, nenhum mesmo…

O contador, que era um espião infiltrado por Bilica, fez um ótimo trabalho de x-9. Bilica, experiente, dona de Cabaré há mais de trinta anos, simplesmente fez uma “noite franca e a casa lotou.

O administrador de Dauzileide, recém formado, não a alertou da necessidade de ter um capital de giro. Resultado: Dauzileide quebrou logo na estreia.

O estagiário foi o primeiro demitido, depois o administrador, o contador – que ela nunca veio a saber que era um Judas – e, por fim, as moças de Aracati/CE, que nem estrearam o uniforme. O banco começou a cobrar o dinheiro do empréstimo. Dauzileide se desesperou:

— Meu Deus do céu, vai ser o jeito…

**

Ainda era cedo quando Bilica ouviu uma batida na porta, seguida de um clamor angustiado…

**

Hoje, Dauzileide, a “Empresária Do Alto do Sumaré”, é sócia de Bilica e, sobretudo, sua melhor amiga.

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*Samuel de Oliveira Paiva nasceu em 14/12/1992, é natural de Rafael Godeiro/RN. Bacharelando em Direito pela UERN, aprovado no XV Exame da OAB. Participou da coletânea “Poesia Clandestina Vol. I (2012)”, foi selecionado em concurso de contos promovido pela Big Time Editora, além de já ter contribuído com poesias, resenhas e contos para os jornais Clandestino, Gazeta do Oeste, O Mossoroense e revista Cruviana.

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OBS. No próximo domingo traremos outro conto do mesmo autor.

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Uma resposta

  1. Grande Samuel, sugiro que escreva um conto sobre petroleiros oriundos de Natal e de de outros estados que chegaram à Mossoró na década de 80 para trabalhar na Petrobras, calçando botas de segurança salto Luís XV, ostentando riquezas, desfilando em veículos na empresa, ”fechando” barzinhos, se dizendo trabalharem na maior empresa do país e donos da ”situação”, debochando da educação e costumes da população local, etc.

    Havia exceções, sim. Raras, mas havia.

    Uma curiosidade:

    Durante a ausência dos funcionários que trabalhavam embarcados em plataformas marítimas em regime 28 x 28, algumas das esposas costumavam sair à procura de ”Ricardões” mossoroenses.

    Receosas de a qualquer momento o ”cornélio” retornar ao lar por motivo de saúde, as ditas cujas distribuíam senhas com os ”Ricardões” que consistia em:

    – Ao chegar em frente a minha casa, cante…”♫ Iansã cadê Ogum….!

    – Se do interior da casa você ouvir eu cantando… ♫ Foi pro Maaaaaar…!

    – Pronto! Pode entrar. Tá liberado.

    Fica a sugestão.

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